domingo, 22 de março de 2009

Jejum de informação

Jejum de novelas


Se os espectadores querem usar as sandálias, brincos e até mesmo sáris indianos mostrados nas novelas, por que não iriam imitar o comportamento nem sempre exemplar de seus personagens?
O arcebispo metropolitano de Sorocaba, dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues, pediu aos fiéis que façam “jejum de novelas” durante a Quaresma, período litúrgico consagrado à penitência e à meditação. O motivo alegado é que a teledramaturgia praticada pelas emissoras de TV (em geral; não citou um caso específico) distorce os valores defendidos pela Igreja Católica.
Os católicos representam 73,89% da população brasileira, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas baseado no Censo de 2000, e assim como outras religiões menos numerosas, porém igualmente incomodadas com a qualidade da programação, poderiam provocar uma revolução na televisão brasileira se concordassem em mudar de canal ou desligar a TV.
O problema é que a maior parte das pessoas não consegue enxergar uma relação direta entre o que se passa na telinha e suas vidas, nem busca coerência entre o que a TV mostra e seus próprios valores e convicções. Desde que foi introduzida na rotina dos brasileiros, há quase sessenta anos, a TV ocupou a posição central em muitos lares, passando a ditar conceitos e costumes, mas seu poder de influenciar vem sendo negligenciado, como se fosse apenas mais um eletrodoméstico e não um meio de comunicação.
As próprias emissoras de TV subestimam sua influência, embora admitam e gostem de destacar a sedução comercial exercida pelas novelas, capazes de alavancar as vendas de roupas e acessórios usados em cena pelos personagens.
A reforçar a tese, estão as tentativas das emissoras - bem-sucedidas algumas, porém ainda tímidas em relação à generalidade das produções -, de colocar em prática alguma responsabilidade social, embutindo temas da atualidade em suas tramas e mostrando, por meio dos personagens, problemáticas específicas de segmentos sociais, como a discriminação a deficientes, a homofobia ou a falta de órgãos para transplante.
Casos já célebres como o da novela global “Laços de família” (2000), até hoje a grande responsável por quase tudo que o brasileiro médio tem de informação sobre leucemia e transplante de medula óssea, infelizmente ainda são exceções e servem apenas para mostrar o quanto esse veículo poderia ser grande, se seus executivos e diretores de programação assim o permitissem.
Porém, mais que a falta de criatividade das histórias “água-com-açúcar” e - uma das marcas registradas do gênero -as visões estereotipadas de classes sociais, é a reprodução de valores e comportamentos condenáveis, supostamente a título de mostrar “a vida como ela é”, que gera maior preocupação entre as pessoas conscientes, religiosas ou não. Afinal, se os espectadores querem usar as sandálias, brincos e até mesmo sáris indianos mostrados nas novelas, por que não iriam imitar o comportamento nem sempre exemplar de seus personagens?
Até que ponto as “lições morais” reservadas aos últimos capítulos conseguem neutralizar a falta de ética, as trapaças e maldades mostradas em detalhes, ao longo de muitos meses? E o que dizer de assuntos delicados e até aflitivos para muitas pessoas, como a delicada inter-relação entre amor e sexo na adolescência, apresentados de maneira superficial e embalados, quase sempre, em conceitos inconsequentes no estilo “faça-o-que-manda-seu-coração”?
É uma pena que a maior parte dos brasileiros não cultive o hábito da leitura nem tenha acesso a outras formas de lazer, pois seria mais fácil desligar a TV e forçar as pessoas que fazem televisão aberta no Brasil a melhorar a qualidade do produto oferecido à população.
A grande esperança, mais uma vez, é a internet, que já começou a democratizar a difusão de conteúdo audiovisual, permitindo que as pessoas escolham o que e quando querem ver. Mudanças drásticas na TV comercial estão a caminho, e poderão sepultar em poucas décadas a televisão como a conhecemos. É só uma questão de tempo e de velocidade de transmissão na web, que cresce a cada dia.

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